02/03/2015 - FEB - SOLDADOS DE BORRACHA - SEGUNDA GUERRA
ANALISANDO OS FATOS
Interrogar o passado significa, acima de tudo, ampliar os horizontes para a construção de uma nova história. Num
acontecimento histórico marcante, atuam inúmeros agentes, sob
diferentes prismas, cada qual contribuindo, a seu modo, para que o fato
ultrapasse a circunstancialidade e venha a integrar a vida dos povos e
das nações. A pesquisa, o debate,
o confronto de opiniões, são elementos imprescindíveis para que o
resgate dos eventos históricos se realize em toda a sua plenitude. Com
isso, evita-se o artifício da redução simplista dos acontecimentos,
retirando o ato de contar do âmbito passional e transportando-o para o
espaço da análise histórica, para assim, não ficar apenas com a memória
nacional formatada pelo Estado, mas para também se refletir sobre a
memória subterrânea, analisando cautelosamente o discurso oposto,
abrangendo as duas faces da história.
Essas considerações são
válidas também para os importantes episódios que transformaram em
História a presença das Forças Expedicionárias Brasileiras na Segunda
Guerra Mundial. Contudo, os
"pracinhas", assim chamados pela população da época, conseguiram, um
importante destaque nas batalhas, onde desempenharam suas funções no
front. Por isso, sabendo-se de algumas importantes vitórias da FEB na
Itália, como por exemplo Montese e Monte Castello, é que se quer revelar
novas faces desses acontecimentos, ampliar o universo de reflexões,
lançando luzes sobre aspectos antes não estudados. Tenta-se
revelar como era o cotidiano destes combatentes, brasileiros tidos como
heróis, lançados sem treinamento e sem preparo numa guerra cujo sentido
e alcance muitos deles nunca entenderam.
O interesse em realizar esse
tipo de estudo surgiu por sua relevante contribuição para o
conhecimento, pois, este período, que compreende, no Brasil, o Governo
de Getúlio Vargas e a 2ª Guerra Mundial, ainda é motivo de ampliar novas
reflexões sobre tais acontecimentos, revelando novas faces daquele
período da história do mundo. Há
um interesse pessoal em revelar as dificuldades e o cotidiano destes
homens na 2ª Guerra, e observar a contradição entre os elogios públicos
feitos pelo governo brasileiro e as severas críticas redigidas por
oficiais americanos encarregados de acompanhar os pracinhas. O título do
artigo Soldado de Borracha, vem das histórias contadas pelo meu avô,
que quando era soldado da borracha ou seja, responsável pela coleta do
látex para a fabricação da mesma, dizia que naquele tempo também
trabalhava como um soldado, devendo conseguir nos seringais o necessário
para o fornecimento da matéria prima para a guerra, pois sabia, que
parte da borracha era destinada para o revestimento de algumas armas e
transportes de guerra. Por isso, para ele, os que foram para a guerra eram soldados de borracha, ele: o da borracha.
A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL
Sobre a participação do Brasil
na Segunda Guerra Mundial, através da Força Expedicionária Brasileira –
FEB e da FAB, não deixou de ser uma verdadeira epopéia – soldados
brasileiros enfrentando calejadas tropas alemãs, sob um particularmente
gélido inverno nas alturas dos Apeninos Tosco - Emilianos - são visíveis
tanto o desinteresse como o desconhecimento acerca do tema – um dos
motivos que justificaram a pesquisa sobre o assunto. Ainda
hoje, há quem acredite que os navios brasileiros torpedeados o foram
por submarinos americanos e não por barcos da marinha alemã. Também
não falta quem pense que fomos à Itália por imposição dos americanos,
quando na verdade, não há razão para duvidar que foram os chefes do
Estado Novo – isto é, Vargas, absoluto, e uns poucos mais – os
responsáveis pela criação da FEB. Mas esta última questão não é tão simplória quanto à outra. Quais eram, pois, os interesses ligados ao envio de tropas brasileiras à guerra? De um modo geral, como se saíram os pracinhas na frente de combate – mais para fiasco ou para sucesso? Para
isso pretende-se esclarecer o comportamento dos soldados no front de
batalha nos momentos de terror e medo, identificando através das
narrativas e registros, as marcas deixadas pela Segunda Guerra Mundial. Saber
como foi o processo de adaptação e interação com os soldados americanos
e revelar a veracidade dos elogios públicos e propaganda do governo
brasileiro, referente à atuação e o cotidiano dos pracinhas na Segunda
Guerra. Por isso procurou-se manter o cuidado de diferenciar a memória nacional (oficial) da memória subterrânea. Como
se pretende revelar a veracidade das propagandas feitas pelo Governo
Getulista, sobre a participação da FEB na Segunda Guerra, utilizando o
conceito de memória nacional, também será utilizado o conceito de
memória subterrânea com os relatos e experiências dos pracinhas. Assim, tenta-se ampliar o conhecimento quanto a este momento de história.
VALORIZAÇÃO DA IMAGEM DA FEB
Sabe-se que, no governo de
Getúlio Vargas, foi criado o DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda
– que, constantemente, repassava para os jornais, rádios e cinemas
ligadas ao governo, informações das atividades e atuações da Força
Expedicionária na Itália. O
conteúdo dessas informações valorizava a preparação dos soldados
brasileiros e repassava organização da Força Expedicionária Brasileira
em solo europeu. A intenção do DIP, como órgão do Estado, era valorizar
as atividades e realizações promovidas por Getúlio Vargas, para nele se
criar a figura de um grande governante. Isso,
na teoria de Michael Pollak, contribuiu para a formação de uma memória
nacional, ou seja, a memória formatada pelo Estado, onde se pretendeu,
assim, o enquadramento da memória coletiva sobre este acontecimento,
referente à participação da FEB na Segunda Guerra Mundial, promovendo
uma violência simbólica, com a intenção de dar continuidade,
durabilidade e estabilidade política ao Estado. Por
isso, de acordo com, a reflexão de Pollak, boa parte dos relatos
daqueles que vivenciaram o período getulista, possuem a imagem de um
grande período que o Brasil viveu em sua totalidade. Assim,
a referência à participação do Brasil em uma Guerra Mundial, serve para
manter a coesão dos grupos e das instituições que compõe uma sociedade.
Com as entrevistas concedidas
pelos pracinhas, na redação desta monografia, utilizar-se-á o conceito
da memória subterrânea, que é justamente a história não oficial, através
das experiências de guerra destes homens. Tenta-se, assim, revelar se realmente o cotidiano dos soldados coincide com as informações lançadas pelo Estado Getulista.
A FORMAÇÃO DA FEB
Em agosto de 1943, ao ensejo da viagem que fez aos EUA, o
então ministro da Guerra, General Eurico Gaspar Dutra, mencionou, em
caráter oficial, a intenção do governo do Brasil em organizar uma Força
Militar para o teatro de operações, que se organizaria em direção
estratégica e ao alto comando militar dos EUA. Tal fato veio oficialmente a público, através de uma entrevista coletiva do próprio general aos jornais da época, no qual dizia:
Não é mais segredo que cogitamos de enviar uma força expedicionária para fora do continente. Os
preparativos estão sendo feitos, em função, em grande parte, do
material norte-americano que estamos recebendo e ainda recebemos...
Todos os brasileiros devem estar certos de que serão chamados a
colaborar... Realmente, à imprensa compete o preparo psicológico da
população do país para qualquer eventualidade à qual a guerra conduza.
Pode-se, assim, observar o tom de intimação por parte do General ao afirmar o
compromisso da imprensa em "preparar psicologicamente a população",
fato que aconteceu em virtude do acompanhamento severo do DIP aos
veículos de comunicação da época, tornando realidade os momentos e fatos
correspondentes ao Brasil, naquela época, colaborando assim para a
formação de uma memória nacional ou oficial.
A portaria ministerial nº
47-44, de 9 de agosto de 1943, ordenou a criação da 1ª Divisão de
Infantaria Expedicionária (DIE), e, no ano seguinte, estabeleceu-se a
organização de duas outras, que, todavia, não chegaram a seguir para a
Europa. Restringiu-se,
consequentemente, a colaboração brasileira no tocante a forças
terrestres, a uma divisão e alguns elementos do Comando do Exército e
dos serviços gerais, num total de 25.334 homens. Coube ao então General de Divisão João Batista Mascarenhas de Morais o comando do corpo expedicionário.
Um problema, já de início, era da mobilização do contingente. Foi
esse um dos mais graves problemas com que teve de arcar a alta direção
de guerra, pois, embora respeitasse apenas as atividades de uma única
divisão e de alguns reforços, a falta de preparação técnica e
psicológica e a deficiência de aparelhamento e instalações, entre muitas
outras coisas, dificultaram o trabalho dos chefes militares, sobre quem
recaíram as maiores responsabilidades. Para
se lançar alguma luz sobre esses fatos, não mencionados pela história
ou memória nacional, partiu-se para a memória subterrânea, que reflete
aspectos negativos dos discursos do Estado e, para isso, lembre-se aqui o
testemunho do importante Coronel Rui Moreira Lima, relatado em seu
livro e confirmado a um jornal brasileiro, que realmente os soldados e
praças brasileiros não estavam preparados:
(...)sem
nenhum preparo físico ou técnico, foi mandada para terra estranha sem
condições sequer de enfrentar a neve dos Montes Apeninos. Não havia sequer equipamento nem eles tinham noção do que iam encontrar pela frente. Era comum um soldado se recusar a ir para o front com um fuzil que levava do Brasil. E tinha razão. Eram armas completamente obsoletas. Os
americanos tiveram que criar unidades especiais de treinamento, onde os
soldados brasileiros aprenderam a usar armas modernas. Nossos soldados aprenderam a lutar na guerra. (Jornal '"Estado de São Paulo", 01.09.1989).
Ao contrário disso, o governo
exibia na época, através do Cine Jornal Brasileiro, as atividades
positivas do contingente febiano, formando nossa memória nacional, e
reproduzida através da história por filmes, livros, reportagens e
relatos dos que vivenciaram aquele período.
Em mais um relato, agora de um
pracinha de Porto Velho, confirma-se o despreparo dos soldados e a
contradição de Getúlio ao entrar na guerra ao lado dos Aliados:
Bom,
nossa tropa não estava muito preparada, que a gente tava preparando
para a guerra, a tropa para entrar pra uma guerra tem que ta bem
preparada, mas no cotidiano do nosso, de qualquer exército, é pra
guerra... né?... aí, nós fomos, tanto que nós fomos pra lá... chegamos
em Nápoles e recebemos fardamentos... recebemos instrução... eu fiz um
cursinho lá de uns 15 dias, daqueles cursos rápidos. É,
uai, o Getúlio não queria entrar na guerra, ele... ele era meio
nazista, ta?... nazista era quem era alemão, ele era meio nazista, mas o
americano foi pra cima dele, não é?... o americano, presidente dos Estados Unidos, o Roosevelt, que era naquele tempo, veio aqui no Brasil e forçou a barra em cima de Getulio.
Apressadamente escolhidos, a
tropa recrutada e os voluntários, vindos de todas as partes do Brasil,
seguiu-se a concentração na Vila Militar, localizada em um subúrbio do
Rio de Janeiro. Surgiu, a seguir, outra séria preocupação para o alto comando da FEB: a instrução do contingente. Pautando
sua organização pelos ensinamentos praticados com a missão francesa,
que aqui chegou em 1921, o problema da adaptação aos métodos
norte-americanos consubstanciava-se num aprendizado quase integral de
uma nova doutrina, inteiramente estranha ao exército nacional. A
dificuldade se agravava pelo fato de o número de instrutores ser ínfimo
em comparação com a grande massa de recrutas, tanto quanto pela
premência de tempo de que dispunha para realizar a tarefa, já que eram
próximos os dias de embarque dos contingentes da FEB. Apesar
de todos os esforços, os resultados obtidos ficaram muito aquém do
previsto e, não fosse ter a preparação continuado além-mar, atenuando as
deficiências da época do embarque, teria sido bastante difícil para a
FEB desincumbir-se satisfatoriamente nas missões de pequeno porte na
Itália.
A 6 de dezembro de 1943, acompanhado de diversos oficiais, o General Mascarenhas de Morais partiu para visitar o norte da África e da Itália. Ao
regressar em janeiro, deixou junto ao quartel-general do V Exército
americano, em Casara, um grupo de observadores, encarregando-o de
informar tudo que pudesse facilitar a ação brasileira na Europa. A
31 de março e a 24 de maio de 1944, desta vez em homenagem à Batalha de
Tuiuti, desfilou a Primeira Divisão de Infantaria Expedicionária - DIE
pelas ruas do Rio de Janeiro, sob as aclamações populares, e tudo sendo
devidamente documentado e registrado através das câmeras do DIP, que
logo utilizou as imagens para novamente favorecer a figura de Getúlio e
seu governo.
A polêmica e as contradições
parecem conviver lado-a-lado em relação a participação do Brasil através
da FEB na segunda Guerra Mundial. São,
também, bastante conhecidos os debates relativos à participação do
Brasil na guerra, que vão desde as motivações para a entrada do país,
como, por exemplo, o suposto torpedeamento de navios brasileiros por
submarinos alemães, que para um dos pracinhas entrevistado, João
Evaristo de Mendonça Neto, foi causado pela marinha norte-americana:
"Tenho certeza, pra mim foi os gringos que torpedearam os navios
brasileiros, para forçar 'nóis' entrar na guerra".
Antes da preparação para a
guerra, foi realizada no Brasil, na cidade do rio de Janeiro, em janeiro
de 1942, uma conferência que reuniu chanceleres de 211 repúblicas
americanas. Era uma reação ao ataque efetuado em dezembro de 1941 pelo Japão aos Estados Unidos, que motivara a sua entrada na guerra. Segundo uma publicação norte americana, traduzida e distribuída no Brasil, gratuitamente, durante a Segunda Guerra:
“Os
representantes das 21 repúblicas americanas reiteraram a sua
solidariedade em meio de um mundo esfacelado pela guerra e reafirmaram
os princípios americanos de unidade, liberdade e igualdade, numa série
de 41 importantíssimas resoluções que se tornaram o Estatuto do Rio de
Janeiro" (AQUINO).
A conferência recomendava a ruptura diplomática com a Alemanha, a Itália e o Japão. Antes de sua realização, dez nações americanas haviam declarado guerra ao Eixo. Outras
três nações haviam rompido suas relações com os países inimigos dos
aliados e durante a conferência, seis governos cumpriram imediatamente a
recomendação. Assim, 19 das 21 repúblicas achavam-se em guerra (declarada ou não) com o Eixo, por ocasião do encerramento da conferência.
Esta reconheceu unanimemente
que a agressão cometida contra os Estados Unidos constituía um ato de
agressão contra todas as demais repúblicas americanas e uma ameaça à
segurança de todo o continente e à própria "civilização cristã".
Lembrou também da ruptura de todas as relações comerciais e financeiras, diretas ou indiretas, enquanto durasse a guerra. Sugeriu
rígido controle nos meios de comunicação radiotelegráficos e
radiotelefônicos, rigorosa fiscalização das atividades dos nativos do
Eixo e redobrada vigilância contra a entrada de elementos inimigos,
coordenação do sistema de polícia e investigação das Américas e
providências imediatas para restringir o uso e operação de aeroplanos
civis ou comerciais e quaisquer facilidades de aviação, a cidadãos e
empresas das repúblicas americanas ou de outras nações amigas.
PARTINDO PARA A ITÁLIA
O governo brasileiro recorreu aos Estados Unidos para que facilitassem o transporte do grupamento para a Itália. Em julho de 1944, o navio transporte General Mann estava no Rio de Janeiro, à disposição da FEB. Os embarques do contingente foram escalados e começaram no dia dois de julho. Os últimos elementos da FEB só chegariam na Itália em 22 de fevereiro do ano seguinte. Esse escalonamento resultou no emprego fragmentado da divisão, o que criou vários problemas para seu comandante.
O navio partiu do Brasil às 6
horas do dia 2 de julho de 1944, iniciando uma viagem em que nenhum dos
pracinhas tinha qualquer informação sobre seu destino. O General Mann iniciou a viagem comboiada por três destroyers da Marinha brasileira, além de embarcações menores. Os
praças foram alojados nos beliches de quatro porões, que se sucediam
verticalmente, sendo que o último deles ficava a cerca de 10 metros
abaixo do nível da água. Cada compartimento alojava o total de uma Companhia. Quanto mais profundo o porão, mais abafado e quente, apesar dos sistemas de ventilação. Os
banhos eram com água do mar, que refrescava um pouco, mas deixava o
corpo dos soldados com a sensação desagradável de estar pegajoso.
Cada compartimento tinha um oficial responsável pela sua limpeza e pela sua disciplina, com revezamento de 4 em 4 horas. Mas,
depois de algum tempo de viagem, muitos oficiais começaram a ter
problemas de enjoo e não tinham condições de ficar nos alojamentos,
sendo substituídos pelos que não tinham esse problema.
Paulo Nunes Leal,
ex-Governador do antigo Território Federal de Rondônia, relatou
situações do cotidiano dos pracinhas nos navios, em seu livro A guerra
que eu vivi:
O
que mais estranhamos, de início, foram as privadas com seus vasos
sanitários sem divisões, o que provocava constrangimento, especialmente
aos oficiais superiores e aos capelães militares. A
alimentação de bordo era farta e nutritiva, mas que não agradava ao
nosso paladar, especialmente pelo tempero, quase sempre adocicado. Um
soldado da minha Seção, Miguel Paiva Jacques, que tinha um defeito
físico, puxando um pouco de uma perna ao caminhar, não deveria ter sido
convocado, especialmente para integrar uma unidade de combate. Tratava-se
de uma pessoa de ótimo gênio e do tipo que chamamos de "virador",
comunicativo e sagaz, mas sem condições físicas para ser combatente. Não sei como ele se insinuou junto ao pessoal do navio, sem saber uma palavra de inglês, passando a ser ajudante de cozinheiro. Nessa
situação tinha acesso ao depósito de alimentos e, de vez em quando,
aparecia em nosso camarote com um punhado de maçãs, que acabavam por
melhorar nossas refeições.
Outro febiano, o senhor Rufino
Rodrigues Carneiro, entrevistado em Porto Velho e radicado aqui,
relatou fatos sobre o cotidiano a bordo do navio americano que
transportava os soldados brasileiros:
Ah!
Você quando entra na guerra, meu filho, você se entrega sua vida a
morte, você entrega sua vida. Pra você ter uma ideia, esse navio que nós
fomos, ele tinha 4 porões, um dois três, quatro porões. O meu ficava abaixo do nível da água, lá embaixo. Estou
dizendo que o navio levou mais de 6 mil homens... já viu que navio
grande, né?... Então depois eu fiquei sabendo o que estranhava nesse
tempo. Eu era segundo sargento. Eu
estranhava que o plantão do porão fosse um oficial, um tenente...
mas... (puta...), mas nunca... que beleza, hein... A gente aqui neste
porão e um tenente de plantão... Nunca tinha visto tenente de plantão. É
que era pro tenente, se o navio fosse torpedeado... pro tenente...
fechava os portões... porque, já pensou (?) seis mil homens querendo se
salvar com o navio torpedeado?...
Uma vez, na Itália, o 1º escalão de embarque rumou de Nápoles para Tarquínia, onde foi incorporado ao V Exército americano. Devido
a uma grande redução dos efetivos sob seu comando, o general americano
Mark Clark, comandante do V Exército, apressou o treinamento dos
pracinhas brasileiros, para que pudessem entrar rapidamente em ação. Devido
à inexperiência do grupo ele foi destacado de início para um setor
relativamente calmo, até que, segundo as palavras de Mark Clark "tivesse
recebido a inoculação do combate".
Ainda era um problema o
treinamento dos soldados brasileiros, alguns nem tiveram o devido curso e
aqueles que tinham, traziam ainda as táticas e técnicas da escola
militar francesa. O próprio
General Mascarenhas de Morais (Comandante da FEB), relata em seu livro
de memórias, sobre as primeiras dificuldades para a organização FEB que
logo afloraram. As primeiras oriundas da situação de indefinição político-ideológica em que vivia o país naquele momento:
Certas
decisões de âmbito governamental, relacionadas direta ou indiretamente
com a criação da FEB, convenceram-me de que a vontade do Presidente
Vargas passara a prevalecer nos rumos de nossa política exterior. Tal
prevalecimento todavia, não se processou com a desejável plenitude,
porquanto permaneceram em seus postos da administração pública, alguns
auxiliares imediatos do Chefe do Governo, sabiamente contrários à
participação do Brasil na guerra ao lado das democracias.
Assim
é que, ao invés de nossas autoridades buscarem o robustecimento de
nossa gente e cultivarem a enorme simpatia pela causa das nações
democráticas, quedaram-se em condenável complacência ante o movimento de
desagregação empreendido pelos simpatizantes e adeptos da causa
totalitária. Elementos do
quinto-colunismo indígena, instalados em postos importantes da vida
nacional... Usaram eles dos mais diversificados processos para impedir
que tropas brasileiras viessem a combater os exércitos totalitários da
Europa (MATTOS, 1983).
Outras dificuldades eram de
ordem técnica, próprias das adaptações a uma situação nova que se
impunha ao exército, de formação profissional e organização militar
modelo francês implantado há 25 anos e que, de repente, teria que
enfrentar a necessidade de organizar rapidamente uma Divisão de
Infantaria e outros órgãos dentro dos padrões de comando, organização de
unidades e material norte-americanos. Novamente o General Mascarenhas foi de encontro com a maneira positiva de organização da FEB reproduzida pelo Estado Novo:
O País não teve preparação psicológica adequada. Estivesse
as autoridades ideologicamente unificadas, ao invés de divididas, mais
simples e rápida seria a solução dos problemas resultantes da nova
organização militar, nos moldes americanos; do suprimento dos novos armamentos; da confecção de uniformes apropriados ao clima frígido em que a FEB foi combater; da seleção de pessoal (...).
Segundo o próprio General, a seleção dos soldados para compor a FEB, não procedeu de forma correta. Para ele o potencial humano representava o fator crítico por excelência do esforço de guerra de um país. Por
isso, é fato, o exército brasileiro não estava preparado de acordo com
as informações transmitidas pelo governo do Estado Novo, através do
Departamento de Imprensa e Propaganda, que não media elogios para a
competência da FEB. A guerra
moderna, baseada na técnica e na especialização, exige qualidades
físicas intelectuais e morais, quando então, boa parte do contingente
era analfabeta e eram, em sua maioria, franzinos, nas palavras do
próprio General:
O
pessoal que integrou a FEB não foi submetido à rigorosa seleção física e
neuropsiquiátrica... As Forças Armadas americanas submeteram seus
homens a uma rigorosa seleção física e intelectual, encontrando elevada
percentagem dos que estavam abaixo do padrão prefixado.
No livro do Coronel Adhemar Rivermar de Almeida, também não faltam queixas quanto ao despreparo dos pracinhas brasileiros:
Se
os exames físicos deixaram a desejar, pior ainda, foram os psicológicos
por cujas malhas passaram centenas de homens, inclusive oficiais que
não estavam em perfeitas condições para suportar as imensas
responsabilidades que lhes caberiam na batalha. As
intensas e variadas emoções da luta e as bruscas e violentas mudanças
de atitude, exigem dos combatentes, além de muito vigor físico, perfeito
equilíbrio emocional, do contrário torna-se-ão presas fáceis do
ridículo e da covardia. Muitas vezes
um corpo aparentemente são encobre um espírito fraco que, ao primeiro
contato com a realidade, lança-o irremediavelmente ao solo, como tantos
casos que se verificaram na própria FEB. Inversamente,
muitos indivíduos franzinos e débeis, agitam-se na luta, exatamente
porque têm um espírito forte e uma formação sólida a impedi-los para
frente.
O importante é entender, que
em nenhum momento a intenção é denegrir a imagem dos pracinhas.
Fundamentalmente tentamos compreender como Vargas utilizou a FEB a seu
favor, quando a valorização da imagem de um grande governo, que enviou o
exército brasileiro para lutar no confronto mais importante da história
do mundo.
Heróis ou não, pouco importa. O
pracinha brasileiro foi forte, criativo e corajoso diante das
adversidades no teatro de operações na Europa. Enfim, lutou sim contra o
nazismo, mesmo que ironicamente o Brasil vivia um regime semelhante aos
preceitos de Hitler.
Fonte: rondoniaaovivo, Aleks Palitot, foto: juaraonline
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