23/03/2013 - A caminho da punição

TRAGÉDIA DE SANTA MARIA

 

Polícia Civil responsabiliza 28 pessoas por incêndio; nove foram indiciadas por crime doloso

Flávio Ilha


Porto Alegre Depois de 55 dias de investigação e 810 depoimentos, a polícia gaúcha apontou ontem 28 pessoas como responsáveis diretas pelo incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, que causou a morte de 234 pessoas na madrugada de 27 de janeiro e de outras sete depois da tragédia. Na lista, estão o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, e os bombeiros que liberaram o funcionamento do estabelecimento. Os 52 volumes do inquérito foram entregues à Justiça no início da tarde. Após a divulgação do documento, o comandante dos Bombeiros em Santa Maria, Moisés Fuchs, um dos citados, foi exonerado do cargo.

Das 28 pessoas, nove foram indiciadas por homicídio qualificado doloso - quando os acusados assumem o risco de matar. Além dos empresários Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, donos da boate, e dos músicos Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha, integrantes da banda Gurizada Fandangueira, que estão presos, foram indiciadas a mãe e a irmã de Spohr, que aparecem como proprietárias, e o cunhado, que era gerente da Kiss.
Os dois bombeiros responsáveis pelos alvarás de licenciamento da boate também responderão por homicídio doloso. Gilson Martins Dias e Vagner Guimarães Coelho teriam permitido o funcionamento da casa mesmo diante de irregularidades comprovadas pela investigação, como o número insuficiente de extintores, a existência de apenas uma saída, e a colocação de obstáculos que dificultaram a fuga. Se forem denunciados pelo Ministério Público, os dois militares serão julgados pela Justiça comum.

PROVAS ROBUSTAS CONTRA PREFEITO

O prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer, também teve seu indiciamento recomendado pela polícia por homicídio culposo - sem intenção de matar - e por improbidade administrativa. Como o prefeito tem foro privilegiado, a recomendação processual será enviada ao Tribunal de Justiça do estado. Segundo o delegado Marcelo Arigony, que apresentou o resultado do inquérito, a responsabilização do prefeito "está fartamente demonstrada" na investigação. Os dados referentes à improbidade administrativa serão remetidos à Câmara de Vereadores de Santa Maria.
Outros quatro funcionários da prefeitura, entre eles dois secretários, foram indiciados por homicídio culposo. Também houve mais dois indiciamentos de bombeiros por fraude processual, acusados de agregar documentos falsos ao processo de licenciamento da Kiss. Um ex-sócio do empreendimento foi indiciado por falso testemunho.
A apresentação do relatório lotou o anfiteatro Flávio Miguel Schneider, no campus da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O delegado Marcelo Arigony, que comandou a apresentação, confirmou que diversas "circunstâncias periféricas" ainda deverão ser investigadas a partir da conclusão da primeira parte do inquérito. E afirmou que as condições estruturais da boate, como a colocação de barras de orientação (guarda-corpos) e a falta de rotas de fuga para situações de emergência, foram decisivas para o número de vítimas da tragédia.
- Guarda-corpos que foram colocados indevidamente e que não foram fiscalizados, além da espuma usada também de forma inadequada, formam as circunstâncias principais para o incêndio. As pessoas ficaram trancadas nesses ferros, e isso dificultou a saída.
Segundo ele, de 810 depoimentos, 119 afirmaram que a boate estava superlotada, com mais de mil pessoas, na noite da tragédia. Além disso, 153 testemunhas relataram que a boate não tinha sinalização para a saída de emergência.

VÍDEO REVELA 40 SEGUNDOS DE TERROR

A apresentação do relatório final usou dois vídeos gravados por frequentadores da boate para mostrar a velocidade com que a espuma entrou em combustão e gerou pânico no interior da casa noturna. Segundo a investigação, foram necessários apenas 40 segundos desde o início do incêndio para que o desespero dos frequentadores provocasse tumulto e dificultasse a fuga. A segunda gravação, quando o incêndio se propagou pela boate, teve o áudio cortado para não expor demasiadamente o desespero dos frequentadores. Os vídeos causaram revolta em familiares das vítimas que assistiam à apresentação.
- Apontamos aqui, de forma isenta e com concretude, o que exatamente ocorreu naquela madrugada. Não estamos aqui para agradar a todos, mas para esclarecer os fatos e apontar tecnicamente de quem é a responsabilidade, seja na esfera criminal, seja na civil, seja na política - disse o delegado.
A Justiça deve remeter o inquérito ao Ministério Público na próxima segunda-feira. O promotor Joel Dutra, que acompanha o caso, adiantou que precisará de pelo menos mais 15 dias para oferecer ou não denúncia à Justiça. O promotor informou também que provavelmente pedirá novas diligências para investigar outros agentes que possam ter contribuído para a tragédia.
- Nesta primeira etapa, as palavras-chave para o Ministério Público são fogo e espuma. É possível que outras condutas não relacionadas diretamente a esse núcleo precisem de mais elementos para formalizar algum tipo de denúncia - disse Dutra.
Três promotores vão atuar no caso, auxiliados por dois servidores técnicos.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

13/07/2015 - Exército brasileiro recebe dez cozinhas de campanha padrão Otan fabricadas na Espanha

20/08/2015 - Brasil avança no campo das bombas de voo controlado