05/02/2013 - Notícias de Rei George
Notícias de Rei George
“O navio está morto”, assim os marinheiros brasileiros se referiram ao Mar Sem Fim, quando pudemos entrar em seu interior dias atrás.O barco tinha acabado de ser arrastado praia acima; estava na posição ideal para os reparos.
Nos aproximamos: brasileiros, russos, chilenos, e subimos ao convés.
Silêncio, de repente. Consternação. O momento teve solenidade espontânea. Foi natural.
O sofrimento, a princípio, meu era de todos. Foi lindo o respeito demonstrado.
Por uma ou duas horas, tempo em que ficamos sob o convés, ou interior, o único som era do vento.
Cabeças baixas, olhares perdidos em direção ao horizonte. Os marinheiros, e os funcionários de don Francisco, prestavam respeitosa homenagem ao Marzão. Quase não se falava.
Se fosse uma música seria o concerto em ré menor, de Albinoni, para oboé.
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O fim de um barco é um momento doloroso. É como um amigo que se vai. Sem a alma, que lhe deu personalidade, torna-se apenas metal. Um objeto sem vida. É muito triste.
Plininho não quis entrar. Preferiu preservar as lembranças.
Depois de um certo tempo, um dos amigos que fizemos, Coelho, tripulante do Felinto Perry, se aproximou e, com o máximo respeito, em voz baixa e pausada perguntou: “Seu João, não quero ser impertinente neste momento, mas o senhor permite que eu guarde uma recordação?”
“À vontade”, consenti.
“Vou levar a boia com o nome do Mar Sem Fim.”
4/2/13.
Ele está flutuando de novo. Toda a água já foi retirada de seu interior. Já não precisa a ajuda das boias. Estamos na parte final do processo de resgate.
Liguei para Punta Arenas avisando ao engenheiro naval, Aníbal Toro, sobre a situação. Amanhã ou depois este profissional vai chegar, num voo comercial, para avaliar as condições do barco atravessar o Drake de volta. Também falei com a companhia de rebocadores: “estamos listos”, como dizem os chilenos, “mandem o barco”.
Dependendo do clima o trajeto pode ser feito em cinco ou seis dias, período suficiente para vedarmos todas as janelas e deixá-lo em condições para a derradeira viagem.
Esta manhã, com ajuda do caminhão guindaste dos chineses de Great Wall, tiramos o contêiner de don Francisco da balsa russa e o colocamos na praia.
A qualquer momento deve chegar o navio de abastecimento dos russos. Eles vão usar a balsa para desembarcar os mantimentos.
Depois, para espairecer, fizemos um passeio de bote pelas redondezas. Estava conosco o chefe da Capitania de Puerto Baía Fildes, o nosso amigo Juan Villegas. Fomos até a ilha Nelson, aqui ao lado, que também faz parte do arquipélago das Shetland do Sul. Impressionante o tamanho e a cor das geleiras. Um ambiente forte, de impacto. Impõe respeito pela grandeza, formas e texturas incomuns.
De noite houve festa de despedida para um dos oficiais que participou da faina, o Comandante Kristoschek, que retorna ao Brasil amanhã.
Junto com ele desembarcam o cinegrafista e editor Alexandre Nogueira, e a funcionária do Ibama, Fernanda.
Alexandre já começa a edição dos documentários em São Paulo. No final de março, começo de abril, estarão prontos para exibição.
Manha de 5/2/13.
Aguardamos a chegada do avião da FAB para qualquer momento. Ele trará o Almirante Silva Rodrigues, gerente do programa Antártico brasileiro, e alguns jornalistas. De helicóptero a comitiva segue até a base Ferraz, para vistoriar as obras feitas desde o incêndio do ano passado, e motivo da vinda, neste verão, do Felinto Perry, e do cargueiro Germânia. O esforço é para reconstruir a estação, e trazer de volta os escombros do que sobrou. Nada, que não seja daqui, pode ficar. São regras do Tratado Antártico.
Dentro de dois dias completa um mês que embarcamos. Cansa. E a carga emocional, desgasta.
Nos próximos dias o navio volta à Punta Arenas para reabastecimento.
Nós, e don Francisco, ficaremos na Capitania dos Portos até a chegada do rebocador.
A história ainda não acabou. Mas falta pouco pra eu poder virar esta página.
15hs3O
Mudança de planos. A persistente neblina impede a vinda do avião. Há dias não se enxerga mais que alguns metros. Vão tentar novamente amanha.
Assim é a Antártica.
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