carta de um sargento do exército


Carta de um sargento do Exército
Caros amigos,
Sou 3º sargento do Exército Brasileiro e assim como os outros companheiros de turma, 327 ao todo, ando meio desmotivado com minha profissão.
Minha família ficou tão orgulhosa quando fui aprovado num concurso onde a concorrência se encontrava na casa de 70 inscritos para uma vaga que hoje sinto vergonha de dizer que estou estudando para trabalhar como atendente da Caixa Econômica Federal. Se nada mudar a nosso favor é isso que vai acontecer, pois acredito no meu potencial, e, digo mais, isso é o que vai acontecer com a maioria dos sargentos da minha turma e de outras também. Claro, alguns vão por caminhos diferentes, concursos diferentes, mas todos esses caminhos os presentearão com um pouco mais de dignidade no trabalho.
Camaradas, parece haver um exagero ao dizer que 327 sargentos de uma única turma não se sentem motivados a deixarem as suas famílias e irem defender o seu país, e agora lhes digo, não é exagero. Quer dizer, me desculpem, realmente exagerei, pois 2 dos 327 morreram. Um fora da atividade militar e outro no terremoto do Haiti.
Bem, o descontentamento é geral, incluindo-se aí o universo das praças das três forças. Todo ser humano em sã consciência quer se sentir respeitado, quer seja no trabalho, ou na sua vida social. Não poderia ser diferente no glorioso Exército Brasileiro. Eu quero ser respeitado pela minha instituição, já que na sua formação, em Guararapes, lá por meados de 1600, esse mesmo exército impôs respeito à outra nação e ajudou a manter a dignidade do recém formado povo brasileiro frente aos holandeses. Porque ele não me dá a mesma coisa agora? Já que assim como aqueles que deram a vida pela pátria em Guararapes eu também ofereço a minha pela nação.
A máquina é velha, anda enferrujada e sem perspectiva de melhorias. Para complicar ainda mais a situação, essa mesma máquina velha e enferrujada bateu, estuprou e privou de direitos as pessoas que hoje comandam o país (Fudeu!!! Me desculpem a expressão), daí vem o revanchismo que nos atola cada vez mais nessa lama verde-oliva.
A primeira coisa que te colocam na cabeça quando se entra no EB é que nos somos homens da pátria, mas acho que pútria cairia melhor. Que temos que lhe oferecer dedicação exclusiva e durante 24 horas do dia, que nossa farda é também nossa segunda pele e que a posição do exército em nossa vida está somente abaixo da de Deus ( acho que o capitão que me disse isso não tinha família). Esses são os argumentos para os nossos super-homens tentarem nos transformar em marionetes camuflados.
A Polícia Militar de todos os estados da federação já abriram os olhos e viram que a melhor maneira de motivar seus homens é dando-lhes direitos trabalhistas. Nas PMs um soldado depois que tira seu serviço de 24 hs tem direito a descansar 72 hs (e ele merece até mais). Enquanto isso, em qualquer quartel do EB de qualquer unidade da federação, um Sargento com 1 ano e meio de formação, tira o seu serviço e no outro dia tem que cumprir expediente normalmente durante todos os dias da semana, como se ele tivesse dormido na sua confortável casa do lado da sua linda esposa e seus adoráveis filhos. É isso mesmo, nós trabalhamos por 36 hs e não temos descanso algum.
Acho que essa questão do serviço nunca vai melhorar, já que quem fez o regulamento passou pouco tempo na tropa tirando quarto de hora e nunca tirou mais de um serviço por semana. Mas penso que o RISG (Regulamento dos Serviços Gerais) nos seria um pouco mais generoso se tivesse sido redigido numa guarda de quartel com uniforme completo e sem estar numa sala com ar-condicionado bufando.
Além disso, tem a questão da dedicação integral, que deixa margem para que mais uma vez nossos comandantes façam o que quiserem conosco. Deixem-me exemplificar: se minha unidade vai receber a visita de um general, meu comandante pode, dependendo principalmente do seu grau de puxa-saquismo (A maioria é nota 10 nesse atributo), fazer com que o expediente que era de 8 hs diárias passe para 10 hs ou até mais. Para que isso? Para o soldado brasileiro transformar o aquartelamento em uma unidade do exército americano, tudo isso em menos de uma semana. Para ficar mais didático, o Cmt de OM estará amparado se fizer com que seus comandados apresentem-se às 5 horas da manhã todos os dias para treinar um desfile armado ao som de “atirei o pau no gato” para cantar no dia do aniversário do seu filho de 2 anos. Tem como ficar contente com uma situação dessas? Você ta rindo porque não é com você!
Concordo com a dedicação integral, entretanto somente nos casos especiais como guerra, calamidade pública, estado de sítio, intervenção e etc, mas em tempo de paz eu ter que sacrificar o meu descanso para satisfazer o ego do meu cmt é no mínimo ridículo. Vamos parar de brincar de guerra!!!
O sistema é falho, e me faz pensar que eu não mereço passar por certos eventos. Por exemplo: eu, hoje 3º Sgt de Infantaria, com cinco anos de serviço, fui aprovado num concurso público um tanto quanto concorrido, passei 10 meses na ESA (Agora é 1 ano e meio), em Três Corações-MG, em regime de internato e só saia nos fins de semana recebo ordens de um camarada de se diz militar, formado em 3 meses de serviço, sem concurso de admissão e ganha o dobro que eu só porque quando ele foi se alistar apresentou um comprovante que freqüentava uma faculdade particular de 3ª categoria. Ah se eu soubesse disso na época do meu alistamento!!!
Meus superiores dizem que aqui na força é o melhor lugar do mundo para se trabalhar porque temos ótima comida, alojamentos gratuitos, plano de saúde de boa qualidade, atividade física durante o expediente, um plano de carreira descente e outras mentiras. Meus Cmts, comida deliciosa no exército só vi na AMAN, quando passei alguns dias por lá em uma operação.Era todinho no café da manhã, cardápios variados no almoço e a janta nem se fala, uma delícia realmente. Lá sim, mas na grande maioria do país vocês não levariam suas famílias para jantar numa unidade do Exército.
Alojamentos gratuitos eu não preciso nem comentar, ou alguém se habilita a dormir num lugar onde a luz é desligada as 22 hs, não pode mais fazer barulho e tem que acordar as 6 h da manhã por um toque de corneta desgraçado.
Plano de saúde de boa qualidade é sacanagem. Primeiro o FUSEX não cobre tudo que outros cobrem, tenho que pagar 20% das despesas médicas-hospitalares. Segundo, não posso ser atendido pelo plano em todo lugar do país. Isso para mim basta para dizer que é um plano muito ruim.
Já o treinamento físico durante o expediente eu não posso negar que é muito bom para minha saúde, a não ser quando na segunda a gente tem um corridão, na terça outro corridão, na quarta outro e assim sucessivamente durante o resto do meu mês. (Haja paciência e joelho)
Do plano de carreira eu só preciso dizer que sou sargento faz cinco anos e ainda faltam três ou quatro anos para que eu seja promovido a digníssima graduação de segundo sargento (vou ganhar R$ 400 reais a mais. Ôbaaaa!!!!). Já são dois anos que ouço meu avô me perguntando se eu já sou capitão (kkkkkk). Coitado do meu avô e coitado de mim!!!
Pessoal, se eu tivesse mais tempo escreveria mais um pouco, mas agora tenho que fazer ronda no quartel, estou de serviço.
Aconselho os meus amigos de turma e de profissão (se é que isso é profissão) a estudar muito, tempos mais difíceis virão e fazendo uma paródia com aquela música de Raul Seixas, não podemos ficar sentados no trono de uma guarda esperando a reserva chegar.
Bons estudos e o último que sair do Exército faça um derradeiro favor à pátria, apague a luz.

Pátria! Brasil!
autor: criticodequalquercoisa.blogspot.com

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